Brennan Manning

16/09/2013 16:45

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Faz aproximadamente três anos que fui apresentado a um dos livros mais impressionantes que já li - O Evangelho Maltrapilho - do escritor norte-americano Brennan Manning. Para que você tenha uma ideia do que estou falando, compartilharei um trecho em que Manning nos fala sobre as pessoas para as quais o livro foi escrito:

 

"O evangelho maltrapilho foi escrito com um público leitor específico em mente. Este livro não é para os superespirituais. Não é para cristãos musculosos que têm John Wayne como heroi, e não a Jesus. Não é para acadêmicos que aprisionam Jesus na torre de marfim da exegese. Não é para gente barulhenta e bonachona que manipula o cristianismo a ponto de torná-lo um simples apelo ao emocionalismo. Não é para os místicos de capuz que querem mágica na sua religião. Não é para os cristãos 'aleluia', que vivem apenas no alto da montanha e nunca visitaram o vale da desolação. Não é para os destemidos que nunca derramaram lágrimas. Não é para os zelotes ardentes que se gabam como o jovem rico dos Evangelhos: 'Guardo todos esses mandamentos desde a minha juventude'. Não é para os complacentes, que ostentam sobre os ombros um sacolão de honras, diplomas e boas obras, crendo que efetivamente chegaram lá. Não é para os legalistas, que preferem entregar o controle da alma a regras a viver em união com Jesus.

O evangelho maltrapilho foi escrito para os dilapidados, os derrotados e os exauridos. Ele é para os sobrecarregados que vivem ainda mudando o peso da mala de uma mão para a outra. É para os vacilantes e de joelhos fracos, que sabem que não se bastam de forma alguma e são orgulhosos demais para aceitar a esmola da graça admirável. É para os discípulos inconsistentes e instáveis cuja azeitona vive caindo para fora da empada. É para homens e mulheres pobres, fracos e pecaminosos com falhas hereditárias e talentos limitados. É para os vasos de barro que arrastam pés de argila. É para os recurvados e contundidos que sentem que sua vida é um grave desapontamento para Deus. É para gente inteligente que sabe que é estúpida, e para discípulos honestos que admitem que são canalhas. O evangelho maltrapilho é um livro que escrevi para mim mesmo e para quem quer que tenha ficado cansado e desencorajado ao longo do Caminho".

 

Se você sentiu seu coração arder enquanto lia essas palavras, então você há de compreender o que Brennan Manning passou a significar para mim. Depois de ler o Evangelho Maltrapilho tive o privilégio de desfrutar do livro Deus o ama do jeito que você é, uma autobiografia de Manning, na qual ele narra o seu Caminho com Jesus, um caminho muito parecido com o que ele descreveu nos parágrafos acima. Manning nasceu em uma família católica de imigrantes que vieram "fazer a América", e atendeu à vocação sacerdotal, sendo ordenado padre nos anos 1950. No resumo biográfico da Editora Mundo Cristão, que publica alguns de seus livros no Brasil, lê-se o seguinte:

 

"Um dos aspectos mais interessantes sobre a trajetória ministerial de Brennan Manning é o trânsito entre a academia e as favelas, a universidade e as vilas, povoados e cortiços. Pensador brilhante, especialista em Escrituras e Liturgia, foi entre as populações carentes dos Estados Unidos e da Europa que encontrou o caminho para colocar em prática o tipo de cristianismo com o qual se comprometera desde o início de sua vocação: o da compaixão e serviço abnegado. Viveu em clausura e contemplação; carregou água para populações rurais e foi ajudante de pedreiro na Espanha; lavou pratos na França; deu apoio espiritual a presidiários suíços".

 

Sua vida, no entanto, não consistiu apenas na elevação espiritual que o texto acima parece sugerir. Brennan viveu por anos a fio o drama do alcoolismo, abandonou o sacerdócio para se casar, divorciando-se anos depois de sua amada Roslyn. Ele não vivenciou o triunfalismo dos testemunhos que por vezes ouvimos: "Eu fui um alcóolatra, mas depois que me converti, fui completamente livre desse vício". Pelo contrário: Manning relata que inúmeras vezes, depois de ministrar palestras maravilhosas acerca da graça de Deus, se viu caído em uma cama de hotel, totalmente vencido pelo álcool. E inúmeras vezes lhe fizeram o mesmo questionamento: "Como foi possível você cair de novo no alcoolismo depois dos escontros que teve com Deus?" Sua resposta foi registrada no Evangelho Maltrapilho:

 

"[Foi] possível porque eu me senti deprimido e amargurado pela solidão e pelo fracasso, porque me senti desencorajado, incerto, esmagado pela culpa e tirei meus olhos de Jesus. Porque meu encontro com Cristo não me transfigurou num anjo. Porque a justificação pela graça significa que meu relacionamento com Deus foi consertado, não que me tornei o equivalente a um paciente sedado em cima de uma maca".

 

Em 2011, vinte e um anos depois de registrar esse tocante testemunho de humanidade, Manning disse que essa resposta foi prolixa demais, expressão de um "maltrapilho verborrágico", e que se lhe fizessem a mesma pergunta, responderia com apenas três palavras: "Essas coisas acontecem". Tais são as palavras do barro que se reconhece relativo e ambíguo nas mãos do Oleiro, e que ainda assim preserva a firme esperança de se tornar "vaso para uso nobre do Senhor", não por seus méritos, mas pela graça única de nosso Senhor Jesus Cristo. Como poucos, Manning reavivou a mensagem - quase sempre esquecida - de que o amor de Deus alcança os pecadores (e ele faz questão de frisar que se trata de "pecadores de verdade", do tipo que as pessoas religiosas preferem manter a uma distância segura). De todos os autores que li, ele é, sem dúvidas, o que melhor demonstra o "escândalo da graça" de um Deus que ama furiosamente suas criaturas decaídas e deformadas pelo mal.

 

Outro ponto interessante acerca de Brennan Manning é que, apesar de sua divulgação mais ampla entre os cristãos protestantes, ele jamais abandonou a Igreja católica. Apesar de seu afastamento do sacerdócio, Manning manteve-se unido a Cristo através da tradição católica romana, embora, como ele mesmo relata, um amigo o tenha descrito como "mais Lutero do que Lutero jamais o foi". Um Lutero do século 21, que sintetizou o Evangelho Maltrapilho em um parágrafo lapidar:

 

"Há muitos anos, o renomado teólogo evangélico Francis Schaeffer escreveu: 'A verdadeira espiritualidade consiste em viver cada momento pela graça de Jesus Cristo'. Este livro não reinvidica para si qualquer originalidade; ele é apenas um comentário sobre a declaração de Schaeffer. Como C.S. Lewis gostava de dizer: as pessoas precisam ser mais lembradas do que instruídas".

 

Depois de uma vida dedicada a nos relembrar o quanto Deus nos ama, Brennan Manning partiu para encontrar-se com o Senhor no dia 12 de abril de 2013. Citando seu amigo Fil Anderson, autor de Quebrando as Regras, ele nos deixou a seguinte recomendação:

 

"Minha maior esperança é que todos nós paremos de tentar enganar os outros dando a aparência de que temos tudo sob controle. Como pessoas que vivem em íntima comunhão com Deus, temos de nos tornar mais conhecidos pelo que e por quem somos de fato. Talvez uma boa maneira de começar consista em dizer ao mundo - antes que ele descubra por conta própria - que não somos tão ruins quanto ele imagina. Somos piores. Pelo menos eu tenho consciência de que sou pior.

Sejamos honestos, por mais que um pregador qualquer nos acuse de ser mesquinhos e de criticar asperamente o próximo, isso nem de longe se compara às coisas mais asquerosas, mais odiosas e degradantes que já se passaram pela minha cabeça quando penso em um próximo em particular. Para cada pretenso ato de homofobia de um companheiro cristão fiz algo estúpido para mostrar como sou macho. Para cada irmão e irmã cujo fracasso moral foi exposto há um fracasso meu que não veio à tona. Não importa o quanto os seguidores de Jesus pareçam chatos para quem está do lado de fora, o fato é que eles não conhecem nem sequer metade da história. Acreditem em mim. [...] Se cremos realmente no Evangelho que proclamamos, não há por que não sermos sinceros em relação ao que temos de belo e frágil, e assim, Aquele que é belo e que foi quebrado se dará a conhecer ao nosso próximo pelas rachaduras da nossa armadura - e também pelas rachaduras que eles mesmos trazem em suas armaduras".